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Primeira vez fora do Brasil

O Santos é um o clube brasileiro que mais atuou fora do país. Visitou mais de 70 países e é reconhecido internacionalmente pelos seus feitos e glórias. Mas essa história internacional começou quando o clube já estava perto de completar 42 anos, em um domingo, 21 de março de 1954, quando o Alvinegro realizou sua primeira partida em território estrangeiro. O batismo ocorreu na cidade de La Plata, na Argentina, contra o Gimnasia Y Esgrima, que vivia uma boa fase.

Para saber como foi esse jogo histórico, recorremos a um trecho do livro “Santos FC, o maior espetáculo da Terra”, de Odir Cunha e Marcelo Lúcio Fernandes:

O voo da Varig transcorreu sem incidentes e o Santos chegou ao Hotel Royal, em Buenos Aires, na tarde da mesma quinta-feira, 18 de março, em que viajou. De lá, a delegação seguiu em ônibus especiais para a cidade de Eva Perón, atual La Plata, a fim de visitar a sede do Gimnasia y Esgrima. Mesmo sem ser considerado um dos grandes do país, o Gimnasia estava em uma boa fase. Tinha sido o sexto colocado no campeonato argentino de 1953, à frente do Boca Juniors, e não perdera nenhuma partida para os grandes jogando em seu estádio.

Um coquetel foi servido na sede do Gimnasia. De lá, todos seguiram para um banquete nos salões do Jóquei Clube da cidade. Após as sobremesas, discursaram Carlos Inssua, presidente do Gimnasia, e Aflalo Filho, chefe da comitiva do Santos. Vivia-se uma época em que a rivalidade esportiva não anulava a cortesia social. 

No dia seguinte a chuva atrapalhou os treinos do Santos no campo do Platense, outro clube da cidade. Baez, centroavante que não poderia jogar oficialmente pelo Platense até outubro, se ofereceu para defender o Santos, mas no final acabaria se transferindo para a Colômbia. 

Tarde de domingo, 21 de março de 1954, o Santos entrou em campo, no estádio Juan Carmello Zerillo, em La Plata, para a sua primeira partida no exterior. Inaugurado em 26 de abril de 1924, o estádio existe até hoje e tem capacidade para 21.500 pessoas. O técnico italiano Giuseppe Ottina escalou o Alvinegro Praiano com Barbosinha, Hélvio e Feijó (depois Ivan); Cássio, Formiga e Zito; Del Vecchio, Walter, Álvaro, Vasconcelos (Hugo) e Tite. O Gimnasia Y Esgrima formou com Riviera, Sandria e Perocino; Gonzalez, Arco e Rosário; Gallardo, Maravilla, Nazardo (Gutierrez), Martinez e Barpiã. A arbitragem esteve a cargo do inglês John Dykkens.

Sem se inibir, o Santos fez um jogo equilibrado com o Gimnasia, empatando em 1 a 1. Um bom público acompanhou a partida, proporcionando a renda de 179.625 pesos. Martinez marcou o gol da equipe argentina e o jovem Del Vecchio deixou o nome na história ao assinalar o primeiro gol santista em gramados estrangeiros. Vale a pena conhecer um pouco mais daquele que seria o artilheiro do Campeonato Paulista de 1955 e chegaria a fazer nove jogos pela Seleção Brasileira. 

Em primeiro lugar, seu gol histórico. O Santos perdia por 1 a 0, gol de Martinez, de cabeça, aos quatro minutos de partida, e ainda era pressionado pelo time local. Aos 26 minutos desse primeiro tempo o Gimnasia atacava quando o clássico zagueiro Hélvio não quis saber de brincadeira e aliviou o perigo com um chutão. A bola pegou a defesa argentina adiantava e deu ao rápido Del Vecchio a possibilidade de penetrar, livre, e desferir um chute forte, que o experiente Villera não pôde defender. Com 19 anos, Emanuelle Del Vecchio era um atacante de muita garra, com chute forte e preciso, um Menino da Vila de ouro. 

Nascido na cidade de São Paulo, começou no infantojuvenil do Santos em 1951 e chegou à equipe principal em 1953. Além de artilheiro do Paulista de 1955, com 23 gols, Del Vecchio fez dois gols na vitória de 4 a 2 sobre o São Paulo que decidiu o título paulista de 1956. Em 1957 transferiu-se para o Verona, da Itália, país onde também defendeu Napoli, Padova e Milan. Jogou ainda por Boca Juniors, São Paulo, Bangu e Atlético Paranaense. Como técnico, dirigiu o Santos em 1984, antes de ser substituído por Carlos Castilho, que levou o time ao título paulista daquele ano. Del Vecchio morreu aos 61 anos, assassinado por arma de fogo, em Santos . Fez 180 jogos pelo Alvinegro Praiano, marcando 180 gols, um deles o primeiro do time no exterior. 

A estreia do Santos causou boa impressão na imprensa argentina. Os exigentes cronistas portenhos gostaram da equipe e, principalmente, da habilidade e da classe de alguns jogadores. Hélvio, Feijó, Del Vecchio e Álvaro foram os mais elogiados. Enalteceram também o jogo limpo e a elegância dos santistas. 

Em meio aos treinamentos no Platense, na quinta-feira, dia 25, a delegação brasileira foi recebida pelo presidente Juan Domingo Perón na Casa Rosada. Os santistas portaram-se exemplarmente. Com o objetivo de manter a disciplina do grupo, fora criada uma comissão de jogadores formada por Hélvio, Hugo e Formiga, e presidida pelo técnico Giuseppe Ottina. Havia espaço para brincadeiras e cantorias, mas com responsabilidade.

Após praticamente um mês em solo argentino, a delegação santista retornou à cidade de Santos a bordo do conhecido e luxuoso transatlântico Ana C. Algumas partidas dessa excursão foram transmitidas pela Rádio Atlântica de Santos, a popular PRG-5 na voz do saudoso Ernane Franco.

Nesse primeiro giro em terras sul-americanas, o time da Vila Belmiro jogou oito partidas, com três vitórias, três empates e duas derrotas. O Alvinegro marcou 19 gols e sofreu outros 14. Os artilheiros nesses jogos foram: Del Vecchio (4), Vasconcelos (4), Tite (3), Hugo (3), Walter Marciano (3), Álvaro (1) e Picot, fez um gol contra para o Santos.

Negociações pela excursão

A princípio, o Santos jogaria na Colômbia, Venezuela, Peru e Equador, porém, segundo um telegrama enviado pelo empresário D’ Agostini a Marcelo de Castro Leite, representante do Santos em São Paulo, a excursão teria de ser suspensa devido aos incidentes ocorridos em 4 de março na Cidade do México, na partida em que o Vasco da Gama vencera o Marte, campeão mexicano, por 1 a 0.

Como o Santos ficou à mercê das negociações do empresário e, por isso, momentaneamente impedido de marcar amistosos que aliviariam seus encargos financeiros, o dirigente santista José Aflalo Junior, escolhido para chefe da delegação da prometida excursão sul-americana, perdeu a paciência com D’Agostini e declarou ao jornal Folha da Noite que se o Santos não excursionasse, exigiria indenização, “principalmente dos vinte mil cruzeiros que já gastamos com a retirada dos passaportes dos jogadores.” Pouco depois, porém, o empresário acenou com a possibilidade de, entre meados de março e meados de abril, com boa folga antes do início do Torneio Rio-São Paulo, a se iniciar em maio, o Santos realizar alguns amistosos na Argentina.

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